No prelo há mais de 50 anos...

O amor, poeta, é como cana azeda, A toda boca que não prova engana. (Augusto dos Anjos)

Textos

O caçadô de Vampiro

Foi tiro e queda, seu moço!
Os três caroço de chumbo,
todos três no mesmo rumo,
foi se alojá no pescoço.
A onça soltô um trôço
e gruniu de agonia.
Pela luz que me alumia!
Já vi cabra bom de tiro,
mas iguá ao Valdomiro,
nem os rei da monarquia.

Inda me alembro do dia:
Foi no primeiro de abril,
já quais nos ano dois mil,
lá do sertão da Bahia,
-num lembro se chovia-
que o caçadô, Valdomiro,
o cabra a que me refiro,
partiu pro sul africano,
com seu matulão de pano,
caçá um bicho vampiro.

Num soltô um só suspiro
na hora das despedida.
Calçô as bota comprida,
as calça de casimiro
e partiu pro seu retiro:
Polvorinho na cintura,
carne seca, rapadura,
farinha d'agua, pimenta...
cabelo entupindo as venta:
A sua maió fartura!

Quem oiasse a criatura,
era de tê pesadêlo,
arrepiá todo os pêlo,
inté senti a gastura
de vê tamanha brabura
pindurada no espinhaço,
sem dá mostra de cançaso,
sem um pingo de pavô.
Valdomiro, o caçadô,
nunca foi de tê cagaço.

Lá se foi, marcando passo,
cuma quem tá no quartel,
se aprumando no chapéu,
feito de papel almaço.
Se foi... o home de aço,
o nosso herói nordestino,
galopando, sol a pino,
em riba dum pangaré,
que niguém punhava fé,
fosse chegá no destino.

Deu um cheiro nos menino
e um arrocho na muié:
—Inté quande Deus quisé,
pelas graça do Divino;
Lembrança pro Zeferino,
pro Zé Ferro, pro Valdez,
pro capitão, pro turquês,
pras muié do Ateneu,
tobém fica o meu adeus
pros amigo português.

Adispois de quase um mês,
já em terra africana,
bebeu dois litro de cana,
quase tudo duma vez,
sem senti a embriaguez,
mode manter os sentido
e ascutá os ruído
das fera mais assasina,
deu início na rotina,
e aguçô os ouvido.

Tirô, de couro curtido,
uma tirinha de sola,
que dava nó na sacola
onde guardava escondido,
herança dum falecido:
A munição empregada,
devidamente arrumada,
nas caçada de espera,
e a lazarina amarela
de coronha envernizada.

Deu-se início a caçada.
Só ele e sua corage,
naquela mata selvage,
atrás da fera encantada.
Vertia sangue, a malvada.
Era só o que sabia.
Mode ninguém conhecia,
que até falá dava mêdo.
O nome era um segrêdo
que o matagal escondia.

A primera valentia
veio logo e sem demora,
quande no nascê da aurora,
uma medrosa cotia,
de assutada, corria
de uma vara de queixada.
Lazarina carregada,
cuspiu pra tudo que é lado
e no lugá foi deixado
cinquenta tripa furada.

E a cotia, coitada!
De tanto agradecida,
se ofereceu de comida,
sendo, é claro, injeitada.
Hoje ela tá vacinada,
num zoológico da cidade,
provando a veracidade
deste fato acontecido.
Tivesse, a bicha, morrido,
iam chamá de covarde.

Dispois, um pouco mais tarde,
outra prova de bravura:
Um leão de meia altura
quis amostrá sua arte.
Ele, prevendo o desastre,
engoliu quatro caroço,
botô as mão no pescoço,
e o cu no rumo do vento;
Ajustou o pensamento
pelo o tamanho do trôço

e arremeçô, sem esforço,
um peido tão fedorento,
que o bicho lazarento,
que já num era tão moço,
ficou que nem carne e osso,
as banha se derreteu.
E tudo o que ele cumeu
nos longos ano de vida,
é uma estauta escupida,
que hoje enfeita o museu.

Outro dia amanheceu
pro valente caçadô.
O dia de mais calô,
dispois que o leão morreu.
Antes ele do que eu,
cuma se diz no ditado.
—Descanse em paz o coitado!
Matutava, Valdomiro.
Dispois dum breve suspiro,
quande avistou um viado.

—Tava tiquin assustado,
Como quem tivesse afim...
Oiô de longe pra mim,
cum jeito desconfiado;
ensaiô um rebolado
e fugiu em disparada,
mantendo a calda arriada
protegendo o orifício,
que, por obra de ofício,
deixou as pata cagada.

Atrás dele uma manada
de bicho rinoceronte,
cada um o mais gigante,
com as boca escancarada,
parecendo dá risada,
niguém sabe lá do quê;
Danou-se os pé a corrê
no rumo de valdomiro;
Só precisô dá um tiro
e oiá os bicho morrê.

Fizero por merecê
o chumbo do caçadô,
que inda fez o favô
de num botá pra sofrê.
Eu digo a vocimicê,
que em outra ocasião,
talvez capasse os cunhão
antes da morte chegá,
pra enfiá no lugá,
donde escapa a digestão.

Agora... muita atenção!
Chegô a hora esperada...
Valdomiro e a caçada
sozinho na escuridão...
As tripa de prontidão,
roncava que nem cuíca,
o cu assoprando a pica
com as reserva pum,
o gaz de seu dejejum:
Batata doce e canjica.

E foi tanta pulitrica
na espera do vampiro,
que só mesmo Valdomiro,
cuma a estória publica,
pôde assiná a rubrica
pra dá autenticidade,
pois qualqué otoridade
que saiba hematofilia
aceita, por serventia,
que tudo isso é verdade.

No céu, uma claridade:
É noite de lua cheia!
Vampiro esperando a seia...
E, ele, oportunidade...
Tinha um cheiro de maldade
espalhado pelo vento,
que a emoção do momento
parecia num tê fim,
e até os mói de capim
serviam de documento.

Apareceu o sangrento!
Um estranho animal,
de boca na vertical,
exibindo o seu talento.
No primeiro movimento,
Valdomiro, dominado,
jogô as arma de lado
e os dote de caçadô.
Seja esse bicho o que fô:
O caçadô foi caçado!

Hoje, já aposentado,
o caçadô Valdomiro,
já não caça mais vampiro
como caçou no passado.
Eu ando desconfiado,
que a famosa carabina
tá nalguma oficina,
pra lubrificá o cano,
que ao completá mais um ano
consome mais vaselina.

Se não me trai a retina,
por força da catarata,
também não voltô à mata 
atrás da fera assassina.
Agora caça a vacina
pra gripezinha safada,
que tá matando a manada 
dos imune de rebanho,
enquanto um sujeito estranho
insiste em fazer cagada.

Não há mais fera encantada
pra animá o cordel!
Agora é só ácool-gel...
mantê a mão bem lavada...
ignorá as piada
do pai e de sua crias,
e rezá todos os dias,
pra que algum Valdomiro
consiga acertá um tiro,
no cu dum falso messias.
Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 25/10/2015
Alterado em 15/01/2021
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