No prelo há mais de 50 anos...

O amor, poeta, é como cana azeda, A toda boca que não prova engana. (Augusto dos Anjos)

Textos

Um brinde à verve de Carlos Drummond de Andrade!
Vôo cego

Havia uma janela no caminho
de onde a liberdade lhe sorria!
Abriu as asas —duas poesias—
em seu primeiro vôo em torvelinho.

Havia uma vidraça no caminho!
A liberdade era virtual!
No seu primeiro vôo, afinal,
a morte acolheu o passarinho.

A poesia, então, lhe fez um ninho
dentro duma caixinha de sapato;
e fez-lhe um verso, tirou-lhe retrato
pra não deixá-lo agonizar sozinho.

Existe, no caminho, uma vidraça,
que de tão rija só morte passa.
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A pedra e o passarinho

—Vê a pedra no meio do caminho!?
Deixe-me que a leve, por favor!
Ela é uma prova de amor
que a gaiola deu ao passarinho.

—Não tire essa pedra , seu doutor,
pois que vou colocá-la no caminho
por onde voou triste o passarinho,
roubando, da gaiola, o esplendor.

E, dito assim: a pedra colocou
—como se fosse o peso da saudade—
lá, na gaiola, onde a liberdade,
de tão sentida, se petrificou.
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A flor do asfalto

Tinha uma flor no meio do asfalto!
No meio do asfalto tinha a flor!
Era uma rosa —sem tirar nem pôr—
de pétalas erguidas para o alto.

Quem lá pôs a semente que brotou,
ninguém sabe ao certo, ninguém viu quem era.
Supostamente o vento a trouxera
e ali deixara como um favor.

Tinha uma flor no meio do asfalto
e que sobreviveu por um milagre!
Todo mundo viu, todo mundo sabe!
É fácil ver que ela é flor de fato.

Quem pôs a semente que a fez brotar,
não nos interessa, não nos importa.
Se o asfalto guarda coisas mortas
e a rosa vive, porque não regar?!
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Caminhando com Drummond

Tinha uma pedra no meio do caminho
por onde eu passava todo dia.
Inerte, ela fingia que não via
o meu pisar a caminhar sozinho.

Fosse Drummond e eu a deixaria
como pedra no meio do caminho.
Como não pude navegar sozinho,
levei-a junto como companhia.

Era uma pedra que me conhecia
e que sabia que eu era sozinho.
Que me esperava a sós pelo caminho,
por onde eu passava todo dia.

Não fosse por Drummond não saberia
que aquela pedra era o caminho
por onde andei e hei de andar sozinho,
pisando em pedras quase todo dia.
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Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 10/10/2009
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