![]()
Um brinde à poesia muda!
Pintando versos
Se Deus me desse a carne inda vazia, a encheria a alma dum pintor! Não sei se alma tem alguma cor, mas minha alma alguma cor teria: matiz de paz, amor e poesia num arco-íris vivo, uma aquarela... E assim, teria eu, alma tão bela, que, de tão bela, nunca morreria. Se acaso a morte fosse uma pintura, ainda assim a morte deixaria min'alma tatuada na textura como Jesus na mente de Maria. Como não fui pintor, à essa altura, faço das letras minha alegoria. *********************** Aos girassóis de Van Gogh Se cada girassol um sol esconde e há um sol em cada primavera: Um sol, bola de fogo, fulva esfera, que vive a esconder-se não sei onde! Se cada girassol um sol espera e há um sol em cada horizonte: Um sol que é, de luz, imensa fonte que vive a iluminar tanta quimera! Por que será que a arte não esconde do girassol, o sol, que ora responde o apelo tão sublime do pintor!? É que os girassóis, numa pintura, recriam cada sol da amargura, que faz a um girassol perder cor. *********************** Metáforas de uma poesia muda A noite espreguiçava o amanhã brincando de esconder-se à luz do sol, que, reticente, ao som de um rouxinol, corava a face exposta das maçãs. O dia, mal saído do lençol, fingia não ter pressa nem ter hora. E lânguido, ciente da demora, flertava um displicente girassol. O mundo desabava em poesia, enquanto em mim (poeta) amanhecia o último suspiro da aurora: Soneto, em versos feitos à candeia, que fez o sol fingir ser lua cheia até ver a saudade ir-se embora. ********************* A gênese perfeita Enquanto o mar brinca de roda na areia, ela passeia sua sensualidade... E segue alheia ao meu olhar, minha vontade e à tempestade de desejos que a rodeia. O sol prepara a tez morena para a ceia; ela penteia os cabelos contra vento. Anda na areia a balouçar seu argumento deixando o vento morno lhe soprar a teia. O meu olhar, que pelo seu olhar vagueia, se desnorteia qual um barco à deriva; E do seu ventre um flamar de água-viva agita-me o sangue a transbordar nas veias. Nesse momento o vento agita e serpenteia; o mar recua as barbas brancas no horizonte; uma gaivota leva o céu pra bem distante e Deus recria o homem de um grão de areia. ******************************* Pinturilando "A última ceia" de Leonardo da Vinci Assenta-se ao centro, penitente, a repartir o pão de cada dia co'a mão de quem declama poesia, que "em verdade" esconde a dor que sente. O olhar de quem sentiu e ainda sente a dor de uma crença alienante, que sabe enxergar o olhar farsante que dorme no olhar da sua gente. A voz, “masterizada” na pintura, ecoa uma visível amargura que ronda sob o peito do artista ao conceber, nas cerdas do pincel, que o inferno hipotecou o céu e fez “Da Vinci” ser um avalista. *********************** Naquele dia de verão em que choveram flores vermelhas O sol, o mar, as dunas de areia... O vento morno a sibilar cantigas tange os cabelos de uma rapariga e o desejo que por mim passeia. Ao longe... o cantar de uma sereia faz a segunda voz da poesia. E, absorto, em plena luz do dia construo o meu castelo de areia. Era um verão com cor de primavera, como posasse pra fotografia. E lá estava, eu, em sintonia, no meu castelo a esculpir quimera. De repente o vento aquiesceu. O sol escondeu-se atrás do mar. Não mais ouvi a sereia cantar: Quedamos, frente a frente, tu e eu. Vi dos teus olhos lágrimas parelhas qual gotas de orvalho em profusão. E por milagre, naquele verão, choveram dúzias de flores vermelhas. *************************** Pôr-do-sol O mar oferece calmo ao sol ardente o seu leito, inda frio, de amante, numa explosão de cor, exuberante, que é impossível apagar da mente. O sol de, despudorado, rubro e quente, desmorona atóis em fulvos sentimentos, deita seu flâmeo furor por um momento nas nuvens algodoadas do poente. Dá-se, então, o beijo entre sol e mar e anuncia a Deus que é hora de dormir, pois até Ele também tem que sonhar; o sonho humano de que faz surgir, toda a beleza que se possa olhar, no olhar do amor que se possa sentir. ************************** O acordar no Pantanal O sol nadando nas águas reflete o céu como espelho! Inunda, de tons vermelhos, o rio e as minhas mágoas. Dos olhos, a correnteza leva um sonho de criança, uma lágrima que dança a chorar tanta beleza... Tanto amor, tanta saudade, tanta paz e tibieza... Chorar com intimidade, chorar com delicadeza de quem chora, na verdade, com os olhos da natureza. *******************
Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 10/10/2009
Alterado em 28/10/2016 Copyright © 2009. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
|