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Um brinde à poesia lírica e romântica
Herculano Alencar
Lembrança de ti A minha boca, hoje tão deserta, já foi quase um oásis pro teu cio. Já claudicou teu corpo nu, vadio, em cada curva e nova descoberta. Já abrigou teus frêmitos, gemidos... já te acalmou quando, em convulsão, vertias teus suores de paixão, enquanto eu cochichava ao teu ouvido: Mentiras em sonetos e poemas; murmúrios de amor em agonia; suspiros sensuais em voz amena. Hoje sedenta, triste e vazia, preenche tua falta com fonemas e a lembrança de ti com poesia. *********************** Soneto do amor que foi Preciso te contar dessa saudade que encardiu os nossos travesseiros! Já nem me lembro mais quantos janeiros teu cheiro condenou-me à eternidade. A rosa, que murchou, sem piedade ainda hoje grassa na lembrança a dúvida, a cruel desconfiança, que dorme entre a mentira e a verdade. Foi tanto amor perdido, tanto e tanto... que quase desmanchei-me, junto ao pranto, nas águas outonais daquele dia. Restou-me a ilusão da primavera, que fez morrer, na dor da longa espera, o resto de saudade que eu sentia. ************************* Trabalho de parto Qual uma flor, fecunda de perfume, no ventre da floresta ainda nua, que invade impune o céu e vai à lua e volta à terra feito um vaga-lume... Desce na alma o véu da poesia pra colorir a aura momento e perfumar o Eu do pensamento que faz-se flor, usando igual magia. Pois que da flor exala a emoção, na emoção a verve refloresce, e cresce, e assim invade o coração... A poesia então amadurece qual a metamorfose da paixão cujo casulo algum poeta tece. ********************** Ocaso do amor em si bemol Foi-se a última nota musical rangendo em dissonante sofrimento... Um Si bemol, acordes de um lamento, a sostenir um grande recital. A partitura enverga-se ao final! Resta a última clave, em solidão, no lúgubre sepulcro da canção, tal qual fora um doente terminal. Foi-se a última dor de uma paixão: um Si bemol em busca do destino, deixando amargo rastro no refrão, qual mugidos de dor do violino! Restam alguns pedaços de ilusão que o pranto do amor vai consumindo. **************************** Imagem real O amor abraça o ódio comovido, como num reencontro de amizade. E beija-o com força e com vontade e fala de paixão ao pé do ouvido. Que o amor ama o ódio, não duvido. E ama pois que é do seu feitio nadar sem que conheça a foz do rio, até que chegue ao mar desconhecido. O ódio beija o amor de qualquer jeito, como quem beija um velho conhecido. Pois é o próprio amor envelhecido, que caducou, senil, dentro do peito. O amor imita o ódio nos defeitos, talvez por isso são tão parecidos. ************************* Soneto da vingança e do perdão Vou ferir-te no imo, na essência! Roubar-te as ilusões dos sentimentos. Não ouvirei de ti os teus lamentos ou os gritos febris por inocência. Hás de levar-me feito penitência pelos teus erros, pelo teu passado. Hás de amar-me, o quanto tenho amado, até o limiar da resistência. Então vou rir, zombando do teu pranto, e irei mais fundo... lá, no coração, até despedaçá-lo de paixão. Mas se olhares com o teu encanto, rogo por Deus que tenha compaixão e me entrego inteiro em tua mão. ************************* Atire a primeira flor Quem não viveu paixões desesperadas; amou, quase morreu de tanto amar. Quem não beijou, até perder o ar, na boca, em outra boca, afogada. Que não carpiu infindas madrugadas as lágrimas traídas da razão. Quem não sentiu no próprio coração aquela sensação de tudo ou nada. Quem não buscou refúgio na calçada do muro que encastela a musa amada e deu-se em corpo e alma ao violão. Que atire neste amante indigente a flor primeira, a rosa indiferente aos beija-flores mortos de paixão.
Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 07/03/2012
Alterado em 10/03/2012 Copyright © 2012. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
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