1° Sinfonia de Beethoven
Herculano Alencar

Qual anjo que largou a legião
bem antes de chegar ao paraíso,
o meu instinto instiga o meu juízo
e o meu juízo instiga o coração.

Se Van Beethoven não tocou em vão
as teclas caprichosas do piano,
o dedo deste vil parnasiano,
debalde se curvou ao  violão.

Qual lobo desgarrado da alcateia,
dedilho, feito artista sem plateia,
as notas de um soneto sem medida,

nos  solos da primeira sinfonia.
Se a música instiga a poesia,
sigo a tocar poemas pela vida.
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2° Sinfonia de Beethoven
Herculano Alencar

Agora eu sou um velho beija-flor,
(que, em vão, sobreviveu à tempestade)
a claudicar nas asas da idade
de tanto que já viu o sol se pôr.

Agora eu sou um poço de vaidade,
(de águas turvas sob um céu anil)
a balouçar no fundo de um barril
o resto que sobrou da mocidade.

Agora eu sou apenas uma nota:
um ré maior que a música adota,
pra anunciar o fim da melodia.

Agora eu finalmente não sou nada
e ainda assim eu varo a madrugada,
de tanto que já vi nascer o dia.
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3° Sinfonia de Beethoven
Herculano Alencar

As notas musicais flutuam com leveza
por entre os candelabros do teatro.
Uma baqueta triste beija o prato
e Deus orquestra os sons da natureza.

Enquanto as cordas plangem reverentes
e as madeiras choram de emoção,
os metais aguardam a percussão
sob o silêncio calmo dos presentes.

A batuta vagueia, com destreza,
sob a bênção de Deus e a natureza
une os seus sons aos sons da sinfonia.

E eu, que ora sou somente ouvidos,
deixo cair um pranto incontido,
que não é meu e sim da poesia.
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4° Sinfonia de Beethoven
Herculano Alencar

Suavemente... chega o violino
e clama aos sonolentos rouxinóis
pra que afinem juntos os seus bemóis,
pois há de acontecer algo divino.

O sol, ainda embaixo dos lençóis,
prepara a refeição de mais um dia.
E os rouxinóis ensaiam a sinfonia
que fora executada em outros sóis.

Ainda que não venha o violão,
o celo, o clarinete, a percussão,
esperam, sem alarde, o seu momento...

até que o maestro, enternecido,
sussurra alguma coisa ao pé do ouvido
e Deus põe a orquestra em movimento.
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5° Sinfonia de Beethoven
Herculano Alencar

O vitral do teatro estremece
ao primeiro acorde.  Entretanto,
nenhum cristal se quebra e, por encanto,
a música se eleva em uma prece.

Meu coração, contrito, ensaia o pranto
guardado da primeira sinfonia
e chora a velha rima (a poesia)
que se aninhou em mim feito quebranto.

E vem o segundo acorde e outros mais...
e a platéia inteira a dar sinais
de que já não domina a emoção.

E eu a aplaudir, como os demais,
não só deixei à mostra os meus sinais:  
deixei gritar a voz do coração.
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6° Sinfonia de Beethoven
Herculano Alencar

Os sons, na mais perfeita harmonia,
penetram meus ouvidos livremente
e brincam nos confins da minha mente,
por trás dalgum neurônio sem valia.

A flauta por, um átimo, silencia
e deixa o oboé cantar sozinho,
e o clarinete aponta o caminho,
por onde há de passar a sinfonia.

E vem o violino... e de repente...
nas sombras dos confins da minha mente
uma réstia de luz pôs-se a brilhar.

Então eu descobri naquele instante
que  o verso é, da música, o amante
que nunca pôde ter um outro par.
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7° Sinfonia de Beethoven
Herculano Alencar

Ao fim do seu primeiro movimento,
(a sinfonia mal tinha nascido)
meu coração roubou do meu ouvido
o som que me embotou o pensamento.

E a música, qual flecha de cupido,
varou-me o crânio, o lobo e a razão.
E assim, neste momento, e desde então,
meu coração tornou-se o meu sentido.

Por que fui ser poeta, eu me pergunto,
se a sina de um poeta é estar junto
de tudo o que o leva à poesia?

Quem sabe pra ouvir, com o sentimento,
o som que há de embotar o pensamento,
quando a surdez calar a sinfonia.
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8° Sinfonia de Beethoven
Herculano Alencar

Alegremente a música passeia
por sobre o solo fértil do talento,
ao tempo em que a platéia toma assento
e o sangue pulsa em busca de uma veia.

A cada nova nota, um instrumento.
A cada novo tom, nova emoção.
A cada novo acorde, a perfeição
espera pelo próximo movimento.

Pra cada instrumento, um destino:
quer seja o contrabaixo, o violino,
o  oboé, a harpa, o carrilhão...

E assim segue a oitava sinfonia
contagiando (feito epidemia)
cada batida do meu coração.
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9° Sinfonia de Beethoven
Herculano Alencar

Enfim pôde-se ouvir a voz humana
a modular, no tom da sinfonia,
parte de uma ode à alegria,
qual lírica de amor camoniana.

E assim o mundo inteiro se apaixona
e clama, ao fulgor da liberdade,
um novo hino à humanidade
que houve ser cantado após a Nona.

A nona sinfonia de Beethoven
penetra os ouvidos que a ouvem
(enquanto até a alma se inebria)

e segue, a navegar pelos neurônios,
em busca de um remanso de hormônios
que possa ancorar a poesia.
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10° Sinfonia de Beethoven
Herculano Alencar

A Décima morreu na partitura,
ao último suspiro do piano,
quando a cirrose impôs um novo plano
e  o Gênio foi tocar lá nas alturas.

Fosse Beethoven um bom parnasiano
(autor de algum soneto inacabado)
e o mundo esqueceria  o seu legado
no cepo ou nas cravelhas do piano.

A décima sinfonia é ilusória!
Um arranjo orquestrado da história
pelas mãos de um artista sectário.

E ainda que remende a partitura
não revive os transes de ventura
que Beethoven viveu no seu calvário.