![]() Onomatopeia e gestos
Quem atira o pau no gato e não ouve o seu miau, ou é surdo ou é malvado, ou desceu mais um degrau da escada do inferno, pra curtir o fogo eterno, numa noite de sarau. Bem antes de dar um Tchau para o anjo satanás, que foi por Deus condenado, milhões de anos atrás, e que hoje empresta a asa pra um foguete da NASA, que usa turbina à gás. Ou um trem da Ferrobrás, que apita piuí, piuí... O tal Maria fumaça, das brenhas do Piauí, que segue pro marahão a arrastar um vagão, carregado de pequi. Parando aqui e ali, por obra de quem conduz e respeita o passageiro, que faz o sinal da cruz ao chegar na estação, como quem pede perdão pelo furto do cucuz. E quando é noite sem luz, o tum tum do coração se faz gigante no peito a cada nova estação. E o trem se arrasta no trilho, rangendo o velho estribilho, nos dormentes do sertão. E a fumaça do carvão posta ao vuvuvu do vento, num leva e traz de lembrança das ondas do pensamento, a fumegar no espaço, por sobre das rodas de aço dos vagões em movimento. Na emoção do momento, o canto de um bem-ti-vi a espantar gavião, me fez lembrar que Jaci a primeira namorada, primeira boca beijada, de todas que conheci. Ao longe, o rio Poti, o chuáá da cachoeira, anuncia Teresina: a dança do Zé Pereira, ao sol da beira do rio, e um silente assobio por traz do pé da figueira. Um mundo de brincadeira: bate-bola, cobra-cega... bola de gude, pião... adivinha, escorrega... cancão e passa fogueira... e a correria ligeira, na hora do pega-pega. Hoje, eu abri minha adega, sorvi a taça de vinho e viagei no passado: lembrei com muito carinho olhando as nuvens do céu, do chilreio do tetéu, e o batom no colarinho. Me lembrei hoje cedinho, do buáá de minha irmã, quando ainda era neném, no despertar da manhã, sugando o leite do peito, e minha mãe dando um jeito, de se ajeitar no divã. Me lembrei do rolimã, do beija-flor na roseira, quase parando no ar, Lembrei da moça faceira a balançar os quadris, sob os olhares hostis da vizinha fofoqueira. Me lembrei da lapiseira escrevendo o beabá! Das pernas da professora dançando de lá pra cá, a atiçar a vontade e o viço da mocidade, sob as bênçãos de Alá. Das flores do manacá, do piu-piu do passarinho no galho da primavera, a proteger o seu ninho do bico do gavião e eu, de nalgas no chão, passando a tarde sozinho. Não esqueci do espinho, que machucou minha mão, quando roubei um flor sob o cabrum do trovão. E também da poesia, que num passe de magia, me trouxe a recordação. Ai ai ai ... que emoção! Dar a volta ao passado, até um tempo remoto! Viver o caminho andado com as pernas de criança, tirar lombriga da pança e arremeçar no telhado Dalgum vizinho zangado, um mal amado coió, ou um mimado qualquer, desses criado por vó. Depois furtar um capão com um pedaço de pão, sem um só cocoricó. Dançar quadrilha e forró, xote, xaxado, baião... ao som de Luiz gonzaga, puxado ao acordeão, Dar um tchibum na piscina e beliscar a menina, lá perto do coração. Viajar pelo sertão, num martelo agalopado sem rumo e sem documento, uma cabocla ao meu lado. Hum!... ah, que dia perfeito! Depois acordar no leito, com o amor consumado. Que o cordel seja louvado e ao final dessa odisseia, eu ainda tenha a força duma onomatopeia! A Zé Dantas e Daudeth, eu agradeço o confete e o cláp! cláp! da estreia. E a minha esposa, Meia, que atendeu meu psiu, lá pelos anos oitenta, e de mim não desistiu, e tornou-se a obra-prima, a flor que enfeita a rima, que no meu peito floriu. Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 11/09/2020
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