![]() Tola herança
Do lado do meu quintal, Na casa do meu vizinho, As aves faziam ninho Na forquilha do varal. Era o mesmo ritual, Dia a dia, ano a ano: Um displicente tucano, Com seu bico arqueado, Ficava ali assentado, Quase que ao abandono. Parecia um cão sem dono A espreita da comida, Que Sinhá Aparecida, Uma rainha sem trono, Devagarinho e com sono, Claudicava no quintal, Dando lição de moral Pra quem estava por perto: Grão de areia no deserto, Gota d'água em temporal. A molecada, afinal, Fazia ouvido de mouco, Enquanto esperava um pouco Pra fazer seu carnaval: A espingarda de sal, Carregada até o cano, Roubada do Carcamano, Dono da mercearia. Dá-se início à correria Do jogo quotidiano. Bola de meia-de-pano! Campo de terra batida! Nem Sinhá Aparecida, Com seu saber Freudeano... Sujeito grego ou troiano, De Mossoró ou Natal, Dava o apito final, Pra terminar a peleja. Nem o poder da igreja Ou do código penal. A torcida, na Geral, Xingava a mãe do juiz: —Vagabunda! Meretriz!... Et cetera, coisa e tal... E foi assim que o quintal Virou sombra da lembrança: Travessuras de criança, Uma vã filosofia... Que a saudade recria E nos deixa de herança. Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 12/10/2021
Alterado em 12/10/2021 Copyright © 2021. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
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